Amor e psicanálise

Para Freud, fundador da psicanálise, o amor é uma das manifestações da libido, a energia psíquica que impulsiona o ser humano a buscar a satisfação de suas necessidades e desejos. Dessa forma, o amor poderia ser entendido como uma forma de sublimação, ou seja, de canalizar a libido para objetos socialmente aceitos e valorizados. 

No entanto, o conceito de amor no pensamento freudiano também envolveria um conflito entre o princípio do prazer, que busca a gratificação imediata e ilimitada, e o princípio da realidade, que impõe limites e frustrações. O amor seria, portanto, uma fonte de felicidade e de sofrimento, de união e de separação, de idealização e de decepção (FERREIRA, 2004).

Em sua obra, Freud postulou que o desenvolvimento psicossexual do sujeito passa por diferentes fases, nas quais o objeto de amor vai se modificando. Na fase oral, o objeto é a mãe ou cuidador, que alimenta e acalenta o bebê. Na fase anal, o objeto é o pai ou a autoridade que impõe regras e limites à criança. Na fase fálica, o objeto é o progenitor do sexo oposto, que desperta o complexo de Édipo. Na fase de latência, o objeto é substituído pelo interesse em atividades sociais e intelectuais. Por fim, na fase genital, o objeto é um parceiro sexual.

Em cada fase, o sujeito está submetido a enfrentar dificuldades ou traumas que podem gerar fixações ou regressões, quer dizer, a permanência ou o retorno a um estágio anterior. Essas fixações ou regressões podem afetar a capacidade do sujeito de amar e de se relacionar de forma saudável e madura:

Se há muitas fixações, a função libidinal torna-se enfraquecida e tem maiores dificuldades para resistir aos obstáculos externos e prosseguir em direção ao seu destino final. Ao mesmo tempo, diante de fixações muito intensas, maior será a tendência da libido a regredir perante os obstáculos. (GALVAN, 2012)

Nesse sentido, uma pessoa que não teve uma relação satisfatória com a mãe na fase oral poderia desenvolver uma dependência excessiva ou uma rejeição ao objeto amoroso. Já uma pessoa que não teve uma relação adequada com o pai na fase anal poderia desenvolver uma rebeldia ou uma submissão ao objeto amoroso. Por sua vez, uma pessoa que não teve uma resolução do complexo de Édipo na fase fálica poderia desenvolver uma rivalidade ou excesso de identificação com o objeto amoroso.

Já para Lacan (2005), um dos mais importantes psicanalistas da história, o amor seria um modo de sublimação do desejo, isto é, uma das formas de lidar com a falta que constitui o sujeito.

O sujeito, no pensamento lacaniano, é definido como um ser de linguagem, que se inscreve no campo do simbólico, onde as palavras e os signos representam as coisas e os sentidos. Contudo, como o simbólico não é capaz de captar toda a realidade (que é sempre mais complexa e mais diversa do que as categorias e as convenções que usamos para nomeá-la), surge um hiato entre o simbólico e o real, que gera uma falta, uma incompletude, uma insatisfação no sujeito.

Em uma de suas conferências, Lacan propôs que o sujeito passa por três registros em sua constituição: o imaginário, o simbólico e o real. No imaginário, o sujeito se identifica com a imagem do outro, que lhe serve de espelho e de modelo. No simbólico, o sujeito se submete à lei do pai, que lhe impõe a castração e a diferenciação sexual. No real, o sujeito se confronta com o impossível, que escapa à representação.

Em cada registro, porém, o sujeito pode se deparar com obstáculos ou impasses que podem gerar alienação ou separação. Essas alienações ou separações seriam capazes de afetar a capacidade do sujeito de amar e de se relacionar:

A percepção de falta ou completude surge apenas quando introduzimos símbolos em nossa relação com o real. No registro do imaginário, somos iludidos pelas imagens de completude e incompletude produzidas pela atividade simbólica de representação. (paráfrase: NAPOLI, 2022)

Assim, uma pessoa que não se desvencilhou da imagem do outro em seu imaginário poderia desenvolver uma ilusão ou uma rivalidade com o objeto amoroso. Alguém que não se submeteu à lei do pai no simbólico poderia desenvolver uma transgressão ou uma submissão ao objeto amoroso. Finalmente, uma pessoa que não se confrontou com o impossível no real poderia desenvolver uma angústia ou uma extrema responsabilidade para com o objeto amoroso.


CLAVURIER, Vincent. Real, simbólico, imaginário: da referência ao nó. Belo Horizonte, n. 39, p. 125-136, jul. 2013. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372013000100015&lng=pt&nrm=iso&gt;. Acesso em: 11 jan. 2024.

FERREIRA, Nadiá Paul. A teoria do amor. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 7.

FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 14.

GALVAN, Gabriela. O conceito de regressão em Freud e Winnicott: algumas diferenças e suas implicações na compreensão do adoecimento psíquico.  São Paulo, v. 7, n. 2, p. 38-51, 2012. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-432X2012000200003&lng=pt&nrm=iso&gt;. Acesso em: 05 jan. 2024.

LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

LACAN, J. O seminário, livro 10: a angústia (1962-1963). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

NAPOLI, Lucas. Diferenças entre real, simbólico e imaginário. Disponível em: https://lucasnapoli.com/2022/02/08/bora-entender-as-diferencas-entre-real-simbolico-e-imaginario/&gt;. Acesso em: 12 jan. 2024.

SIGNORINI, Lucas Hangai. O que Freud diz sobre o amor na psicanálise. National Geographic Brasil, 12 dez. 2022. Disponível em: <https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2022/12/o-que-freud-diz-sobre-o-amor-na-psicanalise&gt;. Acesso em: 07 jan. 2024.


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